Entrei no comboio logo de manhã… O sono não me permitia ostentar um grande sorriso e muito menos “O” sorriso genuíno.
Quando me apercebi estava rodeada de caos e destruição! Eram oito e pouco da manhã e aquela carruagem prometia uma das viagens mais maradas e atribuladas dos últimos tempos… Um grupo, um grande grupo, assustador, barulhento, destabilizador do ambiente pacato da minha viagem de comboio onde deveria imperar o silêncio.
Esse grupo era composto por dezenas de crianças da escola primária!!! Gritos, gargalhadas e uma euforia desmedida às oito e pouco da manhã. Ao pé de mim sentaram-se 6 crianças. De salientar que estávamos num espaço com 4 lugares. Ajeitei-me e dei espaço a que elas se colocassem ainda mais à vontade. Trocámos olhares e fui desarmada pelo sorriso e aquele “bom dia” ternurento do Jaime.
Olhei para ele e sorri. E esse sorriso despoletou a conversa que viria a ser uma das melhores e mais genuínas conversas da minha vida!
Jaime: “Senhora, que horas são?”
Eu: “Quase nove. Onde vão?”
Inês: “Ao Oriente. Já lá estive uma vez a andar de bicicleta.”
Ricardo: “Eu fui no pior dia!”
Gabriela: “Qual?”
Ricardo: “Naquela exposição das pessoas com doenças mentais. É assustador.”
Gabriela: “Não fales nisso. Estive a beber água!”
Quando dei por mim estávamos a falar sobre as experiências de cada um no Oriente.
A Gabriela é a mais pequena dos seis. Tem um sorriso rasgado e gosta de provocar os outros cinco. A Inês tem uns óculos que lhe ficam o máximo naquela face redondinha e rosada. A Marisol é a melhor amiga da Gabriela. O Jaime, mulato de olhos claros, lindo de morrer e com o sorriso mais genuíno que alguma vez vi. O Ricardo, pequeno e magrinho e super interessado na língua inglesa. E o António mais tímido, mas também o que aparentou ter um grau de rebeldia superior.
Decidi tirar o meu caderno e começar a anotar alguns pormenores da nossa conversa.
Jaime: “Posso ler o que está a escrever?”
Eu: “Não preferes ler uma das minhas histórias?”
Passei-lhe o caderno… Leu… Sorriu e disse:
“É bonito!”
A Gabriela decide interromper com “Ele só lê histórias FNAF!”
Eu: “FNAF? O que é FNAF?”
E pronto… Surgiram os risinhos e o “gozo” que me fizeram sentir desatualizada e um pouco inculta nesta nova cena que é o FNAF (Five Nights at Freddy’s - série exclusiva do Cartoon Network. Podem saber mais aqui).
Continuaram as suas histórias, falaram sobre
a entrega de diplomas do 4º ano e como se emocionaram com o momento. Explicaram-me que não ambicionam ser médicos ou juízes, mas sim estilitas, ilustradores ou professores de inglês.
Senti que é tudo tão diferente daquilo que eu me lembro de quando tinha aquela idade. Não consumia FNAF… Corria e andava de bicicleta na rua, esfolava os joelhos, a minha mãe chamava-me à janela para eu ir para casa, jogava com berlindes e peões, destruía as brincadeiras dos meus irmãos e tinha amigos que brincavam comigo nas tardes infindáveis das férias da escola.
Inês, Marisol, Jaime, Gabriela, Ricardo e António obrigada pelos vossos sorrisos, pelas nossas conversas e por olharem para mim sem julgamentos, segundas intenções nem maldade.
Muitos gritos e muita euforia mas a verdade é que foram das melhores companhias na minha viagem de comboio.
P.S.: Obrigada pelos desenhos! Vocês são os maiores!